sábado, 2 de março de 2013


3.0 O que é a dita, Arte Corporal? O que é Happening? O que é Performance? O que é Dança ou Arte do Movimento?

 
          Quer se trate do corpo de outrem ou quer se trate do meu, não tenho outro modo de conhecer o corpo humano senão vivê-lo (MERLEAU-PONTY).

 

     A dita, Arte Corporal ou Arte do Corpo [Body Art] utiliza o corpo como suporte da obra, ou seja, o corpo torna-se parte intrínseca da obra, e a obra de arte se desenvolve sobre, ou mesmo dentro do corpo. Em diversas ocasiões a Arte Corporal envolveu acontecimento espontâneo ocorrido em uma única ocasião [Happening]; ou Performance, quando ocorreram  acontecimentos especiais provocados pelo artista, que controlou e dirigiu o evento. No segundo caso os eventos podem sem repetidos, como, por exemplo, no caso da peça teatral. Esses eventos, tanto nos improvisados ao sabor do momento (Happening) quanto nos planejados (Performance), devem obrigatoriamente ter a participação do espectador, sempre desejada, tanto na forma espontânea ou com convidados do artista. É imprescindível a presença do público.

 

     Na década de 1960 quando ocorreu grande virada cultural, a Arte do Corpo [Body Art] escancarou as fronteiras da arte contestatória e vanguardista; depois do seu aparecimento, todo e qualquer suporte tornou-se válido como meio de expressão da arte das vanguardas mundiais. Os eventos rapidamente atravessaram as fronteiras internacionais e foram liberadores do corpo; isto se deu marcantemente devido ao surgimento de novas formas de expressão envolvendo o corpo e seus movimentos, como as coreografias inovadoras na dança (Cunningham), a anti-música (Cage, La Monte Young), e as artes de um modo geral, especialmente a Performance e a Arte Corporal (Rauschenberg, Morris) 

 

     No caso das Artes Corporais e do Movimento, o artista é o orquestrador e diretor da ação, e tanto pode utilizar seu próprio corpo como meio de expressão de sua arte, bem como o corpo de outra(s) pessoa(s) ou de animal, vivo ou morto. O artista das vanguardas européias Joseph Beys utilizou o corpo de lebre morta em uma de suas primeiras performances, na obra Como explicar quadros a uma lebre morta? (Dusseldorf, 1965). E, o mesmo artista utilizou um coiote vivo na Ação coiote: eu amo a América e a América me ama [L'Action Coyote: I like America and America Likes me], performance realizada em galeria de arte (Nova York, maio, 1974). A ação foi considerada pela critica modelo de Performance, analisada em todos os sentidos do termo: o artista permaneceu fechado no mesmo recinto algumas horas por dia com o animal selvagem  (coiote), no local cercado às vistas do público. No século XX outros animais, como cavalos, também foram utilizados em performances: como exemplo de performance radical, o austríaco  Herman Nitsch estripou carneiros ao vivo no palco teatral.

 

     Outro artista destacado europeu, precursor, foi o francês Yves Klein, quem primeiro utilizou o belo corpo de modelos nuas para pintar suas telas, na Antropometrias da Época Azul (1960; Anthropometries de L’Époque Bleue), performance realizada na Galeria International de Arte Contemporânea (Paris, 1961). Foi escândalo mundial que hoje, tendo em vista a radicalização das Artes Corporais e Performáticas, que até incluíram o ato sexual (Carolee Schneemann, documentado em vídeo), fazem com que hoje a performance revolucionária de Klein pareça brincadeira: a modelo, com o corpo cheio de tinta dita, Azul Klein, rolando nua sobre a tela. A fotografia do artista vestido com terno formal, dirigindo com delicadeza sua modelo que está nua, ajoelhada sobre a tela, encontra-se reproduzida (PHILLIPS, 1999). Várias outras fotografias foram publicadas no catálogo da mostra O Sexo na Arte Feminimasculino [Le Sexe dans l'art, Feminimasculin], realizada no MNAM (Paris, 1991). Klein caracterizou sua arte pictórica e performática com a utilização do tom especial de azul profundo que ele pesquisou com ajuda de quimico; e grande parte de suas obras foi marcada por esta cor diferenciada. Face às radicalizações posteriores e perto de outras performances de Arte Corporal de natureza bem mais pesada, violenta e mesmo pervertida, citando como exemplos as Performances do grupo inglês Coum Transmissions, ou ainda a dos performáticos extremados do Wienner Aktionismus [Grupo Vienense de Ação].

 
Outro precursor foi o amigo de Klein, o italiano Piero Manzoni, que assinou como sua obra o corpo de modelo nua. A fotografia do evento se encontra reproduzida (GOLDBERG, 2002). Manzoni também vendeu seu Sopro de Artista (ARCHER, 2002: 33), e a obra mais radical, Merda de Artista [Merde d’Artiste], que ele enlatou e comercializou. Infelizmente, tanto Klein como Manzoni morreram muito cedo, eles que foram verdadeiros renovadores da estética das vanguardas Ocidentais, revolucionários da Arte Corporal.

 

A arte pictórica dos Expressionistas Abstratos norte-americanos foi considerada performática: o exemplo principal é a obra do mais conhecido deles todos, Jackson Pollock. A superfície de grandes dimensões da tela foi arena a ser domada: colocada no chão, o artista rodeava a mesma lançando com auxílio de pincel ou outro artefato pingos controlados de tinta sobre a tela, na técnica chamada de Gotejamento de tinta controlada [Dripping]. Até conseguir o efeito desejado Pollock inutilizou muitas telas, que ele destruiu; sua esposa, a também pintora Lee Krasner, trabalhou para sustentá-lo até que Pollock adquirisse o domínio e mesmo a maestria dessa técnica inovadora. O artista norte-americano desenvolveu a técnica a partir de idéia pioneira de Max Ernst, o primeiro a se utilizar desta técnica de pintura. O alemão passou temporada na América durante o período da II Guerra Mundial (1939-1945):  ele casou-se e divorciou-se de Peggy Guggenheim.
 
Outros artistas da segunda geração dos Expressionistas Abstratos, tais como Morris Louis e Helen Frankenthaller também realizaram atos performáticos ao pintarem suas obras, telas de grandes dimensões. No entanto podemos discutir esse caso separadamente, já que o ato criador desses artistas dispensou a presença do público, foi realizado sempre em recinto privado e sem espectadores; não se caracteriza exatamente como Performance, no sentido mais amplo e específico do termo.

 

4.0 Pequena história da Arte Corporal no século XX.

 
     As técnicas que possibilitaram a industrialização da fotografia fizeram a grande diferença no registro das atividades humanas. Um dos primeiros cientistas a se debruçar no estudo da locomoção humana foi o francês Éienne-Jules Marrey. Ele foi o primeiro a documentar o movimento humano através da dita, cronofotografia, processo para o qual inventou vários apetrechos que possibilitassem o seu registro do movimento. O livro que publicou se tornou bem influente sobre as vanguardas européias de modo geral (1885-). Marrey tornou-se um dos precurssores da aviação devido aos instrumentos que inventou para documentar o vôo de um pássaro: suas idéias e experiências se encontram no museu a ele dedicado (Museu Étienne Jules Marrey, em Beaune, França).
 
Menos cientista e mais fotógrafo que o seu colega francês, o inglês Edweard Muybridge, foi quem registrou fotograficamente  na América o galope de um cavalo, resultado de aposta com o governador da Califórnia: ele comprovou que, durante o galope, o cavalo retirava as quatro patas do chão.
 

 Entre os primeiros artistas performáticos a se manifestarem no começo do século XX incluímos os Futuristas italianos. Liderados pelo ricaço F. T. Marinetti, que, a partir de Milão desenvolveu as sua dita, Noitada Futurista [Serrate Futurista], quando os poetas, escritores e artistas plásticos se apresentaram em ações espontâneas nos palcos dos teatros italianos. Depois da publicação do Manifesto do Teatro do Instante, os artistas passaram a realizar as chamadas Sínteses Teatrais, ações performáticas planejadas, com apenas alguns minutos de duração: sabemos que foram mais de 500 as apresentações destas rápidas performances teatralizadas.

 

Os Futuristas queriam mudar o mundo: eles desfilaram nas ruas com coletes bordados na sua nova estética, criados por um dos artistas mais talentosos, Fortunato Depero; e se dedicaram ao cinema, apresentando Thais (Roma, 1916), um dos primeiros filmes Futuristas, dirigido por Anton Giulio Bragaglia. A cenografia e figurinos foram de autoria de Enrico Prampolini, e, no verão seguinte o filme foi distribuído na Itália e exterior (1917). Não foi o único, mas todas as cópias de todos os quatro filmes Futuristas se perderam e não restou nenhum exemplo desse tipo de filme para a apreciação das gerações futuras.

 

   Um grande cenógrafo foi Anton Giulio Bragaglia, que modificou a estética cenográfica européia: inclusive ele projetou  cenário para a música Fogos de Artifício de Igor Stravinsky, na récita patrocinada por S. P. Diaghilev para os Balés Russos, sem a presença de bailarinos, mas apresentando cenografia e iluminação inovadora e fogos de artifício (Roma, 1917).

 

  Picasso, depois que perdeu seu grande amor, Marcelle (1914), reuniu-se e viajou com os Ballets Russes de S. P. Diaghilev, para o qual projetou vários cenários e figurinos: o primeiro foi para Parada [Parade], com música de Eric Satie. Os seus figurinos para o Costume de manager americano e para o Costume de manager francês foram gigantescos e empacotavam os dançarinos, que mal podiam se mexer com tais trajes: quando o balé foi apresentado, tratava-se de Parada, apresentando diversos personagens. Depois da apresentação o público ficou esperando começar a dança, o que não ocorreu: as vaias foram imensas e o sucesso foi de escândalo.

 

Picasso desenhou cenários e figurinos para alguns balés encenados pela companhia do Marques de Beaumont, nobre bem sucedido e bem posicionado socialmente, que realizou alguns espetáculos como Salada (Salade, Paris; 1924-1925). Picasso desenhou para os Balés Russos o espetáculo O Tricórnio [Le Tricorne], também denominado O chapéu de três pontas [El sombrero de tres Picos], com libreto de Martinez Sierra baseado no relato de Alarcón, O Corregedor e a Moleira [El corrigidor y la Molinera], encenado com música do espanhol Manuel de Falla, que estreou com muito sucesso nos palcos londrinos (1919). O artista realizou cenografia e figurinos para a obra O Bufão, realizada com guitarristas ciganos na performance para os Balés Russos de Diaghilev.    

 

 Os Dadaístas reunidos em Zurique também se apresentaram nos palcos: o primeiro foi o do Cabaré Voltaire, com a apresentação da poesia Karawane, recitada por seu autor Hugo Ball, vestido com costume de papelão de Sophie Taeuber (depois S. Arp). Muitas poesias ditas, simultâneas, foram apresentadas em performances com várias vozes, até 20 vozes simultâneas, realizadas nessa fase do movimento Dadá (1916-1919). Alunas da escola de Rudolf von Laban, entre elas Sophie Taeuber (depois Arp),  dançaram Noir Cacadu no palco do Cabaré Voltaire, entre outra apresentações performáticas realizadas na Galeria Dadá (1916-1917).

 

No começo da década de 1920, a pedido de André Breton, o principal Dadaísta de Zurique, o poeta romeno Tristan Tzara levou o Dadá para Paris. Na capital francesa foram feitas várias performances na dita, Noite Dadá [Soirée Dada], como a apresentada na Sala Gaveau (16 maio, 1920). O Dadaísmo parisiense perdurou poucos anos (1920-1923) e foi substituído pelo Surrealismo (1924-), não sem antes produzir grande cisão entre Tzara e Breton, que provocou muitos incidentes lamentáveis.

 

Desde as primeiras décadas do século XX, Paris esteve sempre no olho do furacão e se transformou na capital cultural européia: nos seus palcos se apresentaram os Balés Russos, dirigidos por Sergey P. Diaghilev (1909-1929) e os Balés Suecos companhia de Rolf de Maré (Paris, 1920-1924). Entre os russos foram incontáveis os artistas, músicos, cenógrafos e figurinistas, dançarinos e performáticos que se destacaram: o melhor da criatividade esteve presente nos palcos europeus e norte-americanos quando a companhia excursionou e, inclusive, se apresentou em Buenos Aires e São Paulo (1916-1917).

 

Quanto aos Balés Suecos, o espetáculo mais original foi Relâche, dito, Balé Instantâneo em dois atos, com entreato cinematográfico e a cauda do cachorro de Francis Picabia, apresentado com música de Eric Satie, cenário de Picabia e, no intervalo o filme Entreato [Entr’acte] com argumento de Picabia, mas dirigido por René Clair. A principal estrela do espetáculo foi Jean Borlin, talentoso bailarino e coreógrafo da companhia sueca; como cenário de sua obra vanguardista Picabia colocou 300 refletores voltados para o público, ao qual recomendou que trouxesse seus óculos escuros e algodão para tampar os ouvidos, devido à música de Eric Satie, que utilizou barulhos de trens e máquinas, inclusive a de escrever. Na estréia teatral Marcel Duchamp e a Sra. René Clair fizeram a rápida aparição reproduzindo o quadro Adão e Eva (de Lucas Cranach), tal qual vieram ao mundo (Paris, dez., 1924). O filme de Clair – Picabia foi apresentado na mostra Cinema e Vídeo: Surrealismo no CCBB (Rio de Janeiro, 2001).

 

Espetáculo inesquecível foi Escultura Negra [Sculpture Nègre], balé de Jean Börlin com costumes de Paul Colin, o inventor da malha colante, música de Francis Poulenc e coreografia de Jean Borlin, com estréia parisiense nos Balés Suecos (25 mar., 1920). Outro espetáculo original dessa companhia de dança foi A Criação do Mundo [La Création du Monde], balé com libreto de Blaise Cendrars, música de Darius Milhaud, cortina, cenários e figurinos de Fernand Léger, cenários pintados por Michel Guérin e costumes executados por Muelle; coreografia de Jean Borlin. Tarsila do Amaral foi convidada de B. Cendrars para a estréia do espetáculo parisiense (1923).

 

Antecedendo o Surrealismo, os mesmos Balés Suecos apresentaram A Casa dos Loucos [La Maison des Fous], com argumento de Jean Borlin, cenografia e figurinos do sueco artista plástico Nils Dardel, com música de Inghelbrecht e orquestra sob a regência de Nils Gravilius da Ópera Real de Estocolmo. Muito original foi o espetáculo criado pelo ícone das vanguardas parisienses, Jean Cocteau, que também foi seu narrador: Os Noivos da Torre Eiffel [Les Marriés de la Tour Eiffel], que apresentou a música do Grupo dos Seis, cenários e costumes de Irene Lagut e máscaras extraordinárias de Jean Hugo e Valentine Gross (depois V. Hugo).

 

O cinema mobilizou artistas das vanguardas francesas: Cocteau foi criador de vários filmes, nos quais ele também atuou: um exemplo foi Le Sang d´un Poéte [O sangue de um poeta]. O filme foi Surrealista, pois vários personagens evocaram os temas e obsessões do autor (1930). O filme foi projetado no Festival Surrealismo: Cinema e Vídeo (no CCBB – Rio de Janeiro, 2001). Outro artista visual francês que se dedicou ao meio cinematográfico foi Fernand Léger, que filmou o curta-metragem Balé mecânico [Ballet mécanique], apresentado com grande première: o filme não tem cenário e não conta história. Foram seus fotógrafos Man Ray e Dudley Murphy e a música foi composta pelo norte-americano que vivia em Paris, George Antheil.

 

O teatro e o cinema mobilizaram artistas russos: os primeiros vanguardistas a aparecerem no cinema russo foram Mikhail Larionov e Natália Gontcharova, que aturam no primeiro filme das vanguardas russas, Mistério no Cabaré 13 (Moscou, 1913). O vanguardista russo Mikhail Larionov, artista provocador e contestador, juntamente com seu colega Ilya Zdanevich, publicou na revista Argus (Moscou, 1913) a fotografia da primeira manifestação de Arte Corporal [Body Art] das vanguardas internacionais, da qual participaram vários artistas plásticos que saíram à rua com o rosto pintado com símbolos abstratos. Somente alguns artistas das vanguardas russas aderiram a idéia da pintura corporal; participaram do grupo Natália Gontcharova, Maurice Fabbri, Mikhail Le Dantu, os irmãos Nicolay e David Burliuk, e Alexey Khuchenykh que apareceram na fotografia posada, juntamente com Maria Tomilina Larionova (Riga, 1910). Esta fotografia histórica se encontra reproduzida (KOVTUN, 1983). O vanguardista, escritor, performático, figurinista e poeta Vladimir V. Maiakovsky participou de algumas dessas manifestações de Arte Corporal: a sua fotografia acompanhado de seu amigo David Burliuk com o rosto pintado se encontra publicada (KRENS, 1992; e POMORSKA, 1993).

 

O cinema e o teatro continuaram mobilizando as vanguardas russas: Vladimir Maiakovsky desenhou figurinos para sua peça teatral, O Mistério Bufo e, no mesmo ano, atuou no filme Não nascido para o dinheiro (Moscou, 1918). A peça O Magnânimo Cuco (Crommelynck), com cenário Construtivista, foi encenado nos palcos moscovitas (1922).

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