3.0 O que é a dita, Arte Corporal? O que é
Happening? O que é Performance? O que é Dança ou Arte do Movimento?
Quer se trate do corpo de outrem ou quer se trate do meu, não tenho
outro modo de conhecer o corpo humano senão vivê-lo (MERLEAU-PONTY).
A dita, Arte Corporal ou Arte do
Corpo [Body Art] utiliza o corpo como suporte da obra, ou seja, o corpo
torna-se parte intrínseca da obra, e a obra de arte se desenvolve sobre, ou
mesmo dentro do corpo. Em diversas ocasiões a Arte Corporal envolveu acontecimento espontâneo ocorrido em uma
única ocasião [Happening]; ou Performance,
quando ocorreram acontecimentos
especiais provocados pelo artista, que controlou e dirigiu o evento. No segundo
caso os eventos podem sem repetidos, como, por exemplo, no caso da peça
teatral. Esses eventos, tanto nos improvisados ao sabor do momento (Happening) quanto nos planejados (Performance), devem obrigatoriamente
ter a participação do espectador, sempre desejada, tanto na forma espontânea ou
com convidados do artista. É imprescindível a presença do público.
Na década de 1960 quando ocorreu grande
virada cultural, a Arte do Corpo [Body
Art] escancarou as fronteiras da arte contestatória e vanguardista; depois do
seu aparecimento, todo e qualquer suporte tornou-se válido como meio de
expressão da arte das vanguardas mundiais. Os eventos rapidamente atravessaram
as fronteiras internacionais e foram liberadores do corpo; isto se deu
marcantemente devido ao surgimento de novas formas de expressão envolvendo o
corpo e seus movimentos, como as coreografias inovadoras na dança (Cunningham),
a anti-música (Cage, La Monte Young), e as artes de um modo geral,
especialmente a Performance e a Arte
Corporal (Rauschenberg, Morris)
No caso das Artes Corporais e do
Movimento, o artista é o orquestrador e diretor da ação, e tanto pode
utilizar seu próprio corpo como meio de expressão de sua arte, bem como o corpo
de outra(s) pessoa(s) ou de animal, vivo ou morto. O artista das vanguardas
européias Joseph Beys utilizou o corpo de lebre morta em uma de suas primeiras
performances, na obra Como explicar
quadros a uma lebre morta? (Dusseldorf, 1965). E, o mesmo artista utilizou
um coiote vivo na Ação coiote: eu amo a
América e a América me ama [L'Action Coyote: I like America and America
Likes me], performance realizada em
galeria de arte (Nova York, maio, 1974). A ação foi considerada pela critica
modelo de Performance, analisada em todos os sentidos do termo: o artista
permaneceu fechado no mesmo recinto algumas horas por dia com o animal
selvagem (coiote), no local cercado às
vistas do público. No século XX outros animais, como cavalos, também foram
utilizados em performances: como exemplo de performance
radical, o austríaco Herman Nitsch
estripou carneiros ao vivo no palco teatral.
Outro artista destacado europeu,
precursor, foi o francês Yves Klein, quem primeiro utilizou o belo corpo de
modelos nuas para pintar suas telas, na Antropometrias
da Época Azul (1960; Anthropometries de L’Époque Bleue), performance realizada na Galeria International de Arte Contemporânea (Paris, 1961). Foi escândalo mundial que hoje, tendo em vista a radicalização das Artes Corporais e Performáticas, que até
incluíram o ato sexual (Carolee Schneemann, documentado em vídeo), fazem com
que hoje a performance revolucionária
de Klein pareça brincadeira: a modelo, com o corpo cheio de tinta dita, Azul Klein, rolando nua sobre a tela. A
fotografia do artista vestido com terno formal, dirigindo com delicadeza sua modelo que
está nua, ajoelhada sobre a tela, encontra-se reproduzida (PHILLIPS, 1999). Várias outras
fotografias foram publicadas no catálogo da mostra O Sexo na Arte Feminimasculino [Le Sexe dans l'art, Feminimasculin],
realizada no MNAM (Paris, 1991). Klein caracterizou sua arte pictórica e
performática com a utilização do tom especial de azul profundo que ele
pesquisou com ajuda de quimico; e grande parte de suas obras foi marcada
por esta cor diferenciada. Face às radicalizações posteriores e perto de outras
performances de Arte Corporal de natureza bem mais pesada, violenta e mesmo
pervertida, citando como exemplos as Performances do grupo inglês Coum Transmissions, ou ainda a dos
performáticos extremados do Wienner
Aktionismus [Grupo Vienense de Ação].
Outro precursor foi o amigo de Klein, o italiano Piero Manzoni,
que assinou como sua obra o corpo de modelo nua. A fotografia do evento se
encontra reproduzida (GOLDBERG, 2002). Manzoni também vendeu seu Sopro de Artista (ARCHER, 2002: 33), e a
obra mais radical, Merda de Artista [Merde
d’Artiste], que ele enlatou e comercializou. Infelizmente, tanto Klein como
Manzoni morreram muito cedo, eles que foram verdadeiros renovadores da estética
das vanguardas Ocidentais, revolucionários da Arte Corporal.
A arte pictórica dos Expressionistas
Abstratos norte-americanos foi considerada performática: o exemplo
principal é a obra do mais conhecido deles todos, Jackson Pollock. A superfície
de grandes dimensões da tela foi arena a ser domada: colocada no chão, o
artista rodeava a mesma lançando com auxílio de pincel ou outro artefato pingos
controlados de tinta sobre a tela, na técnica chamada de Gotejamento de tinta controlada [Dripping]. Até conseguir o efeito
desejado Pollock inutilizou muitas telas, que ele destruiu; sua esposa, a
também pintora Lee Krasner, trabalhou para sustentá-lo até que Pollock
adquirisse o domínio e mesmo a maestria dessa técnica inovadora. O artista
norte-americano desenvolveu a técnica a partir de idéia pioneira de Max Ernst, o
primeiro a se utilizar desta técnica de pintura. O alemão passou temporada
na América durante o período da II Guerra Mundial (1939-1945): ele casou-se e divorciou-se de Peggy Guggenheim.
Outros artistas da segunda geração dos Expressionistas Abstratos, tais como Morris Louis e Helen Frankenthaller também realizaram atos performáticos ao pintarem suas obras, telas de grandes dimensões. No entanto podemos discutir esse caso separadamente, já que o ato criador desses artistas dispensou a presença do público, foi realizado sempre em recinto privado e sem espectadores; não se caracteriza exatamente como Performance, no sentido mais amplo e específico do termo.
Outros artistas da segunda geração dos Expressionistas Abstratos, tais como Morris Louis e Helen Frankenthaller também realizaram atos performáticos ao pintarem suas obras, telas de grandes dimensões. No entanto podemos discutir esse caso separadamente, já que o ato criador desses artistas dispensou a presença do público, foi realizado sempre em recinto privado e sem espectadores; não se caracteriza exatamente como Performance, no sentido mais amplo e específico do termo.
4.0 Pequena história da Arte Corporal no
século XX.
As técnicas que possibilitaram a industrialização da fotografia fizeram a grande diferença no registro das atividades humanas. Um dos primeiros cientistas a se debruçar no estudo da locomoção humana foi o francês Éienne-Jules Marrey. Ele foi o primeiro a documentar o movimento humano através da dita, cronofotografia, processo para o qual inventou vários apetrechos que possibilitassem o seu registro do movimento. O livro que publicou se tornou bem influente sobre as vanguardas européias de modo geral (1885-). Marrey tornou-se um dos precurssores da aviação devido aos instrumentos que inventou para documentar o vôo de um pássaro: suas idéias e experiências se encontram no museu a ele dedicado (Museu Étienne Jules Marrey, em Beaune, França).
Menos cientista e mais fotógrafo que o seu colega francês, o inglês Edweard Muybridge, foi quem registrou fotograficamente na América o
galope de um cavalo, resultado de aposta com o governador da Califórnia: ele
comprovou que, durante o galope, o cavalo retirava as quatro patas do chão.
Entre os primeiros artistas performáticos a se manifestarem no
começo do século XX incluímos os Futuristas
italianos. Liderados pelo ricaço F. T. Marinetti, que, a partir de Milão
desenvolveu as sua dita, Noitada
Futurista [Serrate Futurista], quando os poetas, escritores e artistas
plásticos se apresentaram em ações espontâneas nos palcos dos teatros
italianos. Depois da publicação do Manifesto
do Teatro do Instante, os artistas passaram a realizar as chamadas Sínteses Teatrais, ações performáticas
planejadas, com apenas alguns minutos de duração: sabemos que foram mais de 500
as apresentações destas rápidas performances
teatralizadas.
Os Futuristas queriam
mudar o mundo: eles desfilaram nas ruas com coletes bordados na sua nova
estética, criados por um dos artistas mais talentosos, Fortunato Depero; e se
dedicaram ao cinema, apresentando Thais
(Roma, 1916), um dos primeiros filmes Futuristas,
dirigido por Anton Giulio Bragaglia. A cenografia e figurinos foram de autoria
de Enrico Prampolini, e, no verão seguinte o filme foi distribuído na Itália e
exterior (1917). Não foi o único, mas todas as cópias de todos os quatro filmes
Futuristas se perderam e não restou
nenhum exemplo desse tipo de filme para a apreciação das gerações futuras.
Um grande cenógrafo foi Anton Giulio Bragaglia, que modificou a
estética cenográfica européia: inclusive ele projetou cenário para a música Fogos de Artifício de Igor Stravinsky,
na récita patrocinada por S. P. Diaghilev para os Balés Russos, sem a presença de bailarinos, mas apresentando
cenografia e iluminação inovadora e fogos de artifício (Roma, 1917).
Picasso, depois que perdeu seu grande amor, Marcelle (1914),
reuniu-se e viajou com os Ballets Russes
de S. P. Diaghilev, para o qual projetou vários cenários e figurinos: o
primeiro foi para Parada [Parade],
com música de Eric Satie. Os seus figurinos para o Costume de manager americano e para o Costume de manager francês foram gigantescos e empacotavam os
dançarinos, que mal podiam se mexer com tais trajes: quando o balé foi
apresentado, tratava-se de Parada,
apresentando diversos personagens. Depois da apresentação o público ficou
esperando começar a dança, o que não ocorreu: as vaias foram imensas e o sucesso
foi de escândalo.
Picasso desenhou cenários e figurinos para alguns balés encenados
pela companhia do Marques de Beaumont, nobre bem sucedido e bem posicionado
socialmente, que realizou alguns espetáculos como Salada (Salade, Paris; 1924-1925). Picasso desenhou para os Balés Russos o espetáculo O Tricórnio [Le Tricorne],
também denominado O chapéu de três pontas
[El sombrero de tres Picos], com libreto de Martinez Sierra baseado no relato
de Alarcón, O Corregedor e a Moleira [El
corrigidor y la Molinera], encenado com música do
espanhol Manuel de Falla, que estreou com muito sucesso nos palcos londrinos
(1919). O artista realizou cenografia e figurinos para a obra O Bufão, realizada com guitarristas
ciganos na performance para os Balés
Russos de Diaghilev.
Os Dadaístas reunidos
em Zurique também se apresentaram nos palcos: o primeiro foi o do Cabaré Voltaire, com a apresentação da
poesia Karawane, recitada por seu
autor Hugo Ball, vestido com costume de papelão de Sophie Taeuber (depois S.
Arp). Muitas poesias ditas, simultâneas, foram apresentadas em performances com várias vozes, até 20
vozes simultâneas, realizadas nessa fase do movimento Dadá (1916-1919). Alunas da escola de Rudolf von Laban, entre elas
Sophie Taeuber (depois Arp), dançaram Noir Cacadu no palco do Cabaré Voltaire, entre outra
apresentações performáticas realizadas na Galeria Dadá (1916-1917).
No começo da década de 1920, a pedido de André Breton, o principal
Dadaísta de Zurique, o poeta romeno
Tristan Tzara levou o Dadá para
Paris. Na capital francesa foram feitas várias performances na dita, Noite
Dadá [Soirée Dada], como a
apresentada na Sala Gaveau (16 maio,
1920). O Dadaísmo parisiense perdurou poucos anos (1920-1923) e foi substituído
pelo Surrealismo (1924-), não sem
antes produzir grande cisão entre Tzara e Breton, que provocou muitos
incidentes lamentáveis.
Desde as primeiras décadas do século XX, Paris esteve sempre no
olho do furacão e se transformou na capital cultural européia: nos seus palcos
se apresentaram os Balés Russos,
dirigidos por Sergey P. Diaghilev (1909-1929) e os Balés Suecos companhia de Rolf de Maré (Paris, 1920-1924). Entre
os russos foram incontáveis os artistas, músicos, cenógrafos e figurinistas,
dançarinos e performáticos que se destacaram: o melhor da criatividade esteve
presente nos palcos europeus e norte-americanos quando a companhia excursionou e,
inclusive, se apresentou em Buenos Aires e São Paulo (1916-1917).
Quanto aos Balés Suecos,
o espetáculo mais original foi Relâche, dito, Balé Instantâneo em dois atos, com entreato cinematográfico e a cauda
do cachorro de Francis Picabia, apresentado com música de Eric Satie,
cenário de Picabia e, no intervalo o filme Entreato
[Entr’acte] com argumento de Picabia, mas dirigido por René Clair. A principal
estrela do espetáculo foi Jean Borlin, talentoso bailarino e coreógrafo da
companhia sueca; como cenário de sua obra vanguardista Picabia colocou 300
refletores voltados para o público, ao qual recomendou que trouxesse seus
óculos escuros e algodão para tampar os ouvidos, devido à música de Eric Satie,
que utilizou barulhos de trens e máquinas, inclusive a de escrever. Na estréia
teatral Marcel Duchamp e a Sra. René Clair fizeram a rápida aparição
reproduzindo o quadro Adão e Eva (de
Lucas Cranach), tal qual vieram ao mundo (Paris, dez., 1924). O filme de Clair
– Picabia foi apresentado na mostra Cinema
e Vídeo: Surrealismo no CCBB (Rio de Janeiro, 2001).
Espetáculo inesquecível foi Escultura
Negra [Sculpture Nègre], balé de Jean Börlin com costumes de Paul Colin, o
inventor da malha colante, música de Francis Poulenc e coreografia de Jean
Borlin, com estréia parisiense nos Balés
Suecos (25 mar., 1920). Outro espetáculo original dessa companhia de dança foi A Criação do Mundo
[La Création du Monde], balé com libreto de Blaise Cendrars, música de Darius
Milhaud, cortina, cenários e figurinos de Fernand Léger, cenários pintados por
Michel Guérin e costumes executados por Muelle; coreografia de Jean Borlin.
Tarsila do Amaral foi convidada de B. Cendrars para a estréia do espetáculo
parisiense (1923).
Antecedendo o Surrealismo,
os mesmos Balés Suecos apresentaram A Casa dos Loucos [La Maison des Fous],
com argumento de Jean Borlin, cenografia e figurinos do sueco artista plástico
Nils Dardel, com música de Inghelbrecht e orquestra sob a regência de Nils
Gravilius da Ópera Real de Estocolmo. Muito original foi o espetáculo criado pelo ícone das vanguardas
parisienses, Jean Cocteau, que também foi seu narrador: Os Noivos da Torre Eiffel [Les Marriés de la Tour Eiffel],
que apresentou a música do Grupo dos Seis, cenários e costumes de Irene Lagut e
máscaras extraordinárias de Jean Hugo e Valentine Gross (depois V. Hugo).
O cinema mobilizou artistas das vanguardas francesas: Cocteau foi
criador de vários filmes, nos quais ele também atuou: um exemplo foi Le Sang d´un Poéte [O sangue de um
poeta]. O filme foi Surrealista, pois vários personagens evocaram os temas e obsessões do autor (1930). O filme
foi projetado no Festival Surrealismo:
Cinema e Vídeo (no CCBB – Rio de Janeiro, 2001). Outro artista visual francês que se dedicou ao meio cinematográfico foi Fernand Léger,
que filmou o curta-metragem Balé mecânico
[Ballet mécanique], apresentado com grande première: o filme não tem cenário e
não conta história. Foram seus fotógrafos Man Ray e Dudley Murphy e a música
foi composta pelo norte-americano que vivia em Paris, George Antheil.
O teatro e o cinema mobilizaram artistas russos: os primeiros
vanguardistas a aparecerem no cinema russo foram Mikhail Larionov e Natália
Gontcharova, que aturam no primeiro filme das vanguardas russas, Mistério no Cabaré 13 (Moscou, 1913). O vanguardista russo Mikhail Larionov,
artista provocador e contestador, juntamente com seu colega Ilya Zdanevich,
publicou na revista Argus (Moscou, 1913) a fotografia da primeira manifestação de Arte Corporal [Body Art] das vanguardas
internacionais, da qual participaram vários artistas plásticos que saíram à rua
com o rosto pintado com símbolos abstratos. Somente alguns artistas das vanguardas
russas aderiram a idéia da pintura corporal; participaram do grupo Natália
Gontcharova, Maurice Fabbri, Mikhail Le Dantu, os irmãos Nicolay e David
Burliuk, e Alexey Khuchenykh que apareceram na fotografia posada, juntamente
com Maria Tomilina Larionova (Riga, 1910). Esta fotografia histórica se
encontra reproduzida (KOVTUN, 1983). O vanguardista, escritor, performático,
figurinista e poeta Vladimir V. Maiakovsky participou de algumas dessas
manifestações de Arte Corporal: a
sua fotografia acompanhado de seu amigo David Burliuk com o rosto pintado se
encontra publicada (KRENS, 1992; e POMORSKA, 1993).
O cinema e o teatro continuaram mobilizando as vanguardas russas:
Vladimir Maiakovsky desenhou figurinos para sua peça teatral, O Mistério Bufo e, no mesmo ano, atuou
no filme Não nascido para o dinheiro
(Moscou, 1918). A peça O Magnânimo Cuco
(Crommelynck), com cenário Construtivista,
foi encenado nos palcos moscovitas (1922).
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