sábado, 2 de março de 2013

5.0 Performances na América a partir da década de 1950.



     Os primeiros, ditos, Acontecimentos [Happenings] norte-americanos, ações espontâneas que ocorreram com Robert Rauschenberg, John Cage e Merce Cunningham reunidos (1952), na escola formadora da grande maioria de artistas destacados das vanguardas norte-americanas, a Faculdade da Montanha Negra (Black Mountain College; 1942-1956). Foi lá que ocorreu um dos primeiros eventos que se tem notícia, reunindo os citados: depois que a escola fechou as portas, Cage foi lecionar em outro centro formador das vanguardas nova-iorquinas, a Nova Escola de Pesquisa Social [New School for Social Research], para onde atraiu artistas de vanguarda que se expressavam em várias mídias.

    

O começo dos Acontecimentos públicos foi com Allan Kaprow, que, no final da década de 1950 realizou ação no pátio central de hotel abandonado, onde ele reuniu a montanha de papel com mais de quatro andares de altura, onde outras ações se realizaram (Nova York, 1959). Na mesma cidade outro artista que radicalizou nas suas primeiras apresentações espontâneas foi Claes Oldenburg: ele se entregou com nudez total ao limite máximo do esgotamento fisico e mental na performance A Rua [The Street], realizada na Judson Memorial Church (Nova York, 1960; PHILLIPS, 1999). 

    

Os Acontecimentos e as Performances norte-americanas foram o estopim para eventos que englobavam o movimento, executados por pessoas comuns que não possuíam qualquer treino formal de dançarinos ou bailarinos e que passaram a participar da cooperativa do Teatro da Dança Judson centralizada na igreja progressista Judson Memorial Church (Nova York, 1960-1966). Os mais destacados participantes desse grupo foram Robert Morris, Deborah Hay, Yvonne Rainer, Lucinda Childs e Steve Paxton, entre outros. As mudanças foram marcantes nas novas coreografias, pois quase todos os dançarinos se transformaram em coreógrafos, incorporando à dança os movimentos corporais utilizados no dia a dia, tais como andar, correr, rolar, etc., que passaram a fazer parte da dita, Dança Moderna.

 

     Na mesma época Carolee Schneenman se apresentou nua, lembrando a pose do quadro Olímpia de Edouard Manet, juntamente com Robert Morris, na Igreja Memorial Judson (Nova York, 1964). Childs, Morris e Rainer se apresentaram completamente nus na performance Waterman Switch, apresentada no Festival das Artes Hoje [Festival of the Arts Today], realizado em Buffalo (NY, 1965); uma fotografia dos performáticos foi publicada na revista LIFE, lançando-os para o sucesso de escândalo.

 6.0 Arte Corporal na América, na década de 1960.     

     Na década de 1960 vários eventos performáticos como Schneemann, Kubota e Ono levaram a Arte Corporal para a abordagem de temas associados às funções do corpo feminino, como a menstruação, a concepção, a gravidez e o nascimento, que ficaram em evidência em várias as obras dessas pioneiras. A natureza dessas performances nem sempre foi agradável: Kubota, por exemplo, enfiou o cabo de um pincel na vagina e com ele pintou de vermelho o palco no qual apresentou sua obra. A fotografia dessa performance
encontra-se reproduzida (PHILLIPS, 1999: 392).

 

     Várias obras performáticas evidentemente buscavam chocar o espectador: Scheneemann foi uma das artistas mais radicais e atuou para seu vídeo doméstico gravando cenas de ato sexual praticado com seu parceiro; e posando completamente nua na ação denominada de Movimento Interior [Interior Scroll], quando ela retirou da vagina uma longa tira de metros de papel dobrado inserida anteriormente, em movimento de scroll que a artista documentou em vídeo. O mais curioso foi que esta obra encontrou comprador e se encontra em coleção particular (Nova York); um de seus fotogramas se encontra reproduzido (PHILLIPS, 1999: 393). Schneemann criou anteriormente a performance Olho Corpo [Eye Body], na qual exerceu trinta e seis ações transformadoras para a câmera,  fotografadas por Erró (Gelatin silver print 27,9 x 35,6 cm, coleção da artista). Ela não foi à única a documentar o ato sexual: o artista radical europeu Hermann Nitsch, documentou a sua performance sexual e apresentou a fotografia da mesma na mostra do grupo Fluxo [Fluxus], realizada no CCBB (Rio de Janeiro, 2002).

 

     Scheneemann e Yoko Ono participaram do importante grupo Fluxo (Nova York, 1961-), que incentivou a realização de inúmeras performances, quase todas de curta duração e muitas com música. Ono, por exemplo, realizou a Descarga [Flushing], quando filmou durante vários minutos a descarga de vaso sanitário. Outra performance de Ono, Corte a Peça [Cut Piece], encenada no palco do teatro Carnegie Hall (Nova York) e, documentada em vídeo apresentado na grande mostra retrospectiva da artista realizada no CCBB (São Paulo, nov. 2007- fev., 2008).

 

     Muitos artistas do grupo Fluxo utilizaram comida nas suas performances: a artista norte-americana Alison Knowles, preparou uma salada às vistas do público, convidado a comê-la em seguida. Outra performance com comida foi a realizada durante a Bienal de Veneza: o artista japonês do grupo, Ay-O, preparou várias comidas tingidas com cores mais estranhas e serviu ao público, que experimentou fazendo cara de estranhamento.

   

      A jovem artista cubana vivendo nos Estados Unidos, Anna Mendieta, utilizou seu corpo para marcar a forma feminina na areia da praia e, sobre a depressão marcada por essa forma queimou vários materiais colocados no interior, vegetais, galhos secos e flores, entre outros, na sequência de atos estudados para evocar a violência, a fertilidade e a ressurreição. Essa performance de Mendieta invocou a natureza poética e lírica: a artista crucificou o corpo feminino em simbólicas armações de bambu nas quais ela inseriu materiais naturais, que foram queimados, mas sem causar qualquer dano, fosse à natureza ou a seu próprio corpo. As suas ações performáticas invocaram a dolorosa cruz que a mulher carrega no corpo: todas as suas ações foram devidamente documentadas e várias das fotografias encontram-se publicadas (PHILLIPS, 1998: 395-396). Ainda na década de 1960 a expressão artística na Arte Corporal [Body Art] representou o antídoto contra a dita, Arte Conceitual; seu principal pólo de atuação foi, sem duvida, a cosmopolita cidade de Nova York.

 

     Vários artistas iniciaram este movimento da contracultura: participaram do grupo inicial Vito Acconci e Bruce Nauman, entre outros, atuantes na costa leste tais como Ana Mendieta e Chris Burden. Nauman foi um dos primeiros a ficar conhecido e ser convidado a se apresentar nas performances realizadas em museus europeus: sua fotografia jorrando água da boca, na obra Fonte [Fountain], ficou amplamente conhecida como uma das primeiras ações performáticas nas artes norte-americanas. Acconci seguiu com uma câmera de vídeo pessoas comuns que andavam na rua, ação filmada na performance Following Piece, na década de 1960.  Na década seguinte as performances de Acconci se voltaram para o seu próprio corpo e o sexo, marcantes Conversões I e II (1970) e Cama de Semente [Seedbed], realizada na Galeria Sonnabend (Nova York, 1972).

 

      Na década de 1970 outras performances bem mais pesadas foram as de Chris Burden; ele atuou na costa leste dos EUA. O artista mesclou suas performances de rua com Arte Corporal, em eventos como Tiros [Shoots], no qual ele se feriu atirando com um revolver no seu antebraço. Burden organizou outros eventos bastante perigosos e polêmicos, como Transfixado [Transfixed], quando colocou várias tachas em seu próprio corpo e se deixou fotografar assim, bem como num outro evento que levou-o a se crucificar no teto de um carro, ou embeber seu corpo com álcool e colocar fogo, ficando em chamas, ou  ainda ser chutado por outra pessoa caindo dois lances de escada de concreto; mais de cinquenta de suas ações performáticas foram  documentadas em fotografias reproduzidas no livro que o artista publicou, cujo original pertence ao acervo do Whitney Museum of American Art (Nova York).

 

     Outro artista morador de Nova York, o coreano Nam June Paik, foi quem utilizou o cabelo como pincel para pintar com a cabeça a obra Zen para a cabeca [Zen for Head], performance teatral acompanhada com a música #For Bob Morris, composta especialmente para a ocasião por La Monte Young. Paik foi o precurssor da utilização do vídeo domestico para as artes: ele participou do Fluxo e formou parceria com a música e violoncelista Charlotte Moorman. A primeira performance da dupla na América foi no Café A-Go-Go, local de reunião das vanguardas (Nova York, 1965). Paik foi um dos artistas envolvido com a Arte Corporal, e, desde o começo, atuou em várias performances. Inúmeras vezes o corpo de Paik serviu de instrumento musical, como quando segurou a corda de violoncelo nas costas nuas para Charlotte Moorman tocar Variações sobre o mesmo tema de John Cage, nos eventos organizados pelo grupo Fluxo na Bienal de Veneza,  documentados em fotografias que se encontram reproduzidas (DUROZOI, 1993; e PHILLIPS, 1999), até mesmo a performance realizada na gôndola singrando o canal de Veneza, ou participando do Internationale Fluxus Festspiele Neuster Musik (Wiesbaden, Alemanha, 1962).

 

     Os artistas do ramo americano do Fluxo mostraram obras mais inseridas na Arte da Performance do que propriamente na dita,  Arte Corporal. Como classificar experiências com ingestão de comida, senão associadas à Arte Corporal? E as performances com sangue, como Banho Sangrento (Bloody Bath, MoMA, Nova York, nov., 1969), do grupo derivado do braço mais politizado e aguerrido do AWC (v.), que formou o GAAG (v.), cuja ação violenta marcou o final da década (v. no Anexo).  

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