sábado, 2 de março de 2013


7.0 As Performances européias.
 
A dança foi a primeira Arte Corporal por excelência: na última década do século XIX destacaram-se na Europa as performances da precurssora, a norte-americana Loie Fuller, que alcançou muito sucesso em Paris. A sua performance foi retratada inúmeras vezes na obra de Henri de Toulouse-Lautrec: a artista se apresentou com vestidos esvoaçantes de cetim claro, com amplidão de panos que movimentos faziam voar, tornando-a parecida com borboleta que a iluminação controlada ajudava a evidenciar. Fuller foi a primeira a se utilizar dos recursos da iluminação no palco como parte intrínseca de sua arte. Outras precurssoras foram Isadora Duncan, que dançava suas próprias coreografias com movimentos espontâneos, sempre com os pés descalços: ela esteve no Brasil e dançou no Theatro Municipal de São Paulo.  

 
A Bauhaus alemã (Dessau – Weimar – Berlim, 1919-1932), foi celeiro de artistas performáticos a partir do ensino de Lothar Schreyer e Oskar Schlemmer (respectivamente, 1921-1923 e 1923-1929). Na escola que formou as vanguardas alemãs e européias devido ao grande número de estudantes estrangeiros, os dois mestres citados se destacaram (Teatro e Performance). Não existiu o Mestre-Artesão, mas Carl Schlemmer, irmão de Oskar, colaborou com a execução dos figurinos mesmo após sua saída da escola, em 1922.   Schlemmer foi o principal Mestre da Performance, disciplina tornada oficial em Dessau (1923-1929). Schlemmer inovou com o seu Balé Triádico, que começou a ser apresentado em trechos desde o começo das atividades da escola (Weimar, 1919 - Berlim – Paris, 1930).  Um capítulo à parte foram as performances que ocorreram na Bauhaus: vários alunos realizaram inúmeras ações originais no teatro da escola e em outros teatros regionais. Entre esses se destacaram as performances de Hermann Roman Clemens, Ilse Fehling, Ludwig Hirschfeld-Mack, Georg Kaiser, Walter Kaminski, Lothar Kaminsky, Manda von Kreibig, Albert Mentzel, Xanti Schavinsky, Kurt Schwerdtfeger, Werner Siedhoff e Fritz Winter, entre outros. 

 

Na Dança Moderna o grupo inglês Dança para a Câmera  documentou para a câmera as performances mais originais da dança inglesa. O oposto da Arte da Dança foi a obra posada dos performáticos europeus Gilbert e George, que começaram a se apresentar como escultura vivas: mas não eram esculturas  paradas, pois eles cantavam, na Escultura Cantante (Singing Sculpture, Londres, 1970). Os artistas transformados em esculturas vivas se apresentaram em várias performances públicas, quando foram fotografados em poses nas quais parodiavam obras de arte famosas. Surgiu pouco depois, a dita, Banda da Pose [Pose Band], à partir do trabalho de alunos da Faculdade Real de Arte (Royal College of Art, Londres, 1973). Os associados desse grupo apareceram vestidos com tecido sintético prata, sendo suas vestes infladas com a utilização de secadores manuais de cabelo, em poses nas quais os integrantes parodiaram filmes famosos de atores como Victor Mature, considerado canastrão, entre outros.

 

Vários artistas performáticos atuando na Arte Corporal queriam mais do que chocar o seu público, mas expressar profundos traumas através de atos extremados de performances associadas ao universo do inconsciente. Foram atos que expressaram a dor no próprio corpo, como no caso da italiana a Gina Pane (1939-1990), que subiu de pés descalços uma escada cujos degraus foram formados por lâminas cortantes. Ou do inglês Stuart Brisley, que ficou durante vários dias jejuando, mergulhado em banheira contendo água e pedaços de carne crua que apodreceram; foi somente por grande insistência de seus amigos que ele abandonou a performance E por Hoje, Nada [... And for Today Nothing]. Outros performáticos chocaram o público quando defecaram ou utinaram em público: o alemão Benjamin Franklyn Wedekind, foi o primeiro artista performático das vanguardas européias no século XX. Crítico ácido do Kaiser da Prússia, ele urinou em público no palco teatral (Munique, 1905). O artista foi perseguido e preso várias vezes, mas conseguiu realizar várias performances em salões destacados das elites européias, como em Viena (1908). A obra de Wedekind foi registrada e revista em muitas performances realizadas no decorrer do século XX: marcante foi a atuação da atriz Louise Brooks, a Lulu no filme mais conhecido de Pabst, O Livro de Pandora (Die Buchsee der Pandora, 1929), baseado na obra homônima de B. F. Wedekind.

 
Outro artista que radicalizou nas suas performances foi Mike Kelley, que produziu a obra Manipulando Objetos Idealizados Produzidos com Massa [Manipulating Mass-Produced Idealized Objects], quando o artista defecou e manipulou suas próprias fezes ao vivo no palco teatral, acompanhado de mulher ocupada na mesma tarefa. A fotografia da performance foi capa do álbum de rock do grupo Sonic Youth (Nova York, 1990). Duas fotografias dessa  performance se encontram reproduzidas (GOLDBERG, 2002).

 
Novo estilo de Arte Corporal resultou de transformações realizadas no próprio corpo como nas obras de Orlan, que modificou-se inteiramente por intermédio de inúmeras cirurgias plásticas, fotografadas, filmadas e até mesmo com imagens televisadas e transmitidas ao vivo para centros culturais estrangeiros. O artista quis tornar-se parecido com obras de arte famosas. Não foi o único, mas foi o primeiro e o mais conhecido artista destacado neste tipo de performance. O primeiro europeu a usar o próprio corpo como painel de sua arte foi o francês Marcel Duchamp:  na década de 1920 o artista recortou no couro cabeludo uma estrela, na obra Tonsure  e deixou-se fotografar com sua obra, foto esta que se encontra publicada (SCHARCZ, 1997).

 
Outros performáticos se tornaram conhecidos através de ações violentas, características de artistas como Rudolf Schwarzkogler (1940-1969), um dos principais performáticos do Grupo de Ação de Viena [Wiener Aktionismus], do qual participaram Hermann Nitsch, além de Otto Muehl e Arnulf Rainer. O grupo e seus associados, individualmente ou coletivamente criaram performances bastante pesadas, nas quais os artistas infligiram dor ao próprio corpo em atos com a utilização de instrumentos cirúrgicos como bisturí e outros do mesmo gênero, realizando verdadeiros banhos de sangue, humano ou animal, alguns estripados ao vivo no palco às vistas do público. A primeira performance de Nitsch foi levada para o lado do humor negro: na paródia Casamento (Hochzeit, 1965), o artista e  companheira encenaram um casamento: enquanto o noivo tocava acordeão a noiva recebia uma esponja fechando completamente a sua boca. Outra performance de Rudolf Schwartzkogler foi Cibulka (1972), quando ele empreendeu 6 ações nas quais pareceu cortar e encurtar o próprio pênis, apresentada na sequência fotográfica que esteve em exposição em uma das mostras internacionais da Documenta (Kassel, 1972). Nessa performance executada para a câmera ocorreu a falsa interpretação das imagens, talvez propositalmente induzida pelo próprio artista, que, na realidade cortou a carne de um peixe (hering), como se encontra publicado (GOLDBERG, 2002). No entanto o historiador norte-americano Robert Hughes descreveu o artista como o Van Gogh da Arte Corporal, acreditando que Schwartzkogler realmente praticara o ato de cortar o próprio pênis. Foi provavelmente essa crença lendária e generalizada que levou HUGHES (1998) ao paralelo com o holandês Vincent van Gogh que amputou a própria orelha. Schwartzkogler, como Van Gogh, entre outros, abusaram de seu próprio corpo.
 
 
 
Outros artistas, como Gunther Brus e Otto Muhl, realizaram ações performáticas chocantes, documentadas em dois filmes: Satisfação e Simultâneo, apresentados na Galeria Naschst Stephan (Viena, 1970) e na Galeria J. Krinsinger (Innsbruck, 1976). Na mostra carioca do grupo Fluxo, ao qual Brus pertenceu, ele expôs sua fotografia praticando sexo explícito (CCBB, Rio de Janeiro, 2002).  

Outras performances que envolveram o corpo dos artistas foram as de destruição de instrumentos musicais: os pianos foram alvo de várias apresentações. No começo do século XX, o primeiro foi Luigi Russolo, Futurista italiano que destruiu piano na performance patrocinada pela revista de Guillaume Apollinaire, Les Soirées de Paris (1912). Outros foram John Cage e Nan June Paik: suas ações envolviam todo o corpo e a fotografia de Cage com vários outros performáticos destruindo piano em um dos primeiros eventos do Fluxo na Europa, se encontra reproduzida (DUROZOI, 1993). A ação destrutiva envolveu o ato de serrar o instrumento, até reduzir o piano a um monte de madeira e metal destruído. Outros eventos com destruição de instrumentos musicais foram perpetrados por artistas do grupo dos Novos Realistas (Nouveaux Réalistes, Nice – Paris, França, década de 1960). Jacques de La Vileglé foi um dos que queimou vários intrumentos musicais, entre esses violino, entre outros que destruiu a machadadas reduzindo-os à  montes de destroços. Depois Vileglé
 colocou os pedaços obtidos dentro de caixas de madeira com tampa transparente, especialmente preparadas para tal finalidade, quando a obra foi exposta ao distinto público.

 
8.0 Conclusão.
 
Escarificações, cicatrizes, pintura corporal e tatuagens podem ser consideradas como formas de Arte Corporal: os povos primitivos sempre as praticaram. A arte da pintura corporal dos índios brasileiros Kadiweus, foram documentadas por Darcy Ribeiro; e a dos povos do Xingu, por Maureen Bissiliat, que fotografou-os para seu álbum Xingu (1976). Outro exemplo de Arte Corporal ocorreu quando a juventude brasileira se transformou nas ditas, Caras Pintadas, nos eventos conhecidos como Diretas já.

 
Eventos individuais de Artistas do Corpo, efêmeros ou permanentes, são vistos diariamente nas ruas das grandes metrópoles mundiais. A Arte Corporal invadiu os corpos de pessoas comuns, no processo de libertação e de confirmação da identidade dentro das relações de dominação existentes na sociedade: é através do próprio corpo que se dá a luta das pessoas comuns, expressando a satisfação de seus próprios desejos.

Lembrando Foucault:

[...] é então que o corpo investe contra o poder. O poder penetra o corpo e, ao penetrá-lo, fica exposto no próprio corpo. De repente, [...] as pessoas podem passar a reinvindicar o seu próprio corpo contra o poder. Ë nessa dialética que o corpo passa a ser, ao mesmo tempo, objeto e sujeito de transformação [...].       

 

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